terça-feira, 9 de janeiro de 2007

O Manjar

Os dois estavam comendo sem falar. Só os dois na mesa, e os dois em silêncio. Aí ele fez um comentário. Só por fazer.— Não existe nada pior do que risoto frio. Ela só olhou para ele e continuou mastigando. Daí a pouco disse:— Bunda caída.— O quê?— Bunda caída. É pior do que risoto frio. Novo silêncio. Depois ela completou:— E risoto frio tem jeito. É só esquentar. Mais dois ou três minutos. Ele:— Bunda caída também tem jeito.— Como?— Ginástica. Plástica.Desta vez o silêncio durou até o fim do jantar. Ela levantou e levou os pratos para a cozinha. Depois, como ela estivesse demorando para voltar, ele gritou:— Matilde!Ela apareceu na porta da cozinha.— Que mais? — disse.— Sobremesa, ué.— Não. Que mais? Você já criticou meu risoto, já criticou minha bunda... Que mais?— EU critiquei sua bunda?— Eu faço plástica. Me dá o dinheiro que eu faço.— Tidinha!— Não seja por isso, Vicente.Ela desapareceu na cozinha. Ele esperou um pouco e depois foi atrás. Ela estava olhando fixo para uma massa disforme dentro de uma forma, em cima do balcão.— O que é isso? — perguntou ele.— Manjar branco.A massa era escura. Ele chegou a abrir a boca para falar, mas decidiu ficar quieto.Depois, na mesa, comeu o manjar e fez "Mmmmm".Ela levantou-se da mesa, pegou algumas coisas no banheiro e no quarto e foi para a casa da Enolina, que tinha comprado uma TV de 29 polegadas. Decidida a não voltar mais.Aguentava tudo, menos a ironia.

Nenhum comentário: