quarta-feira, 4 de junho de 2008

Carta aberta do ator Wagner Moura por brincadeira do Pânico na TV

"Quando estava saindo da cerimônia de entrega do prêmio APCA, há duas
semanas em São Paulo, fui abordado por um rapaz meio abobalhado. Ele disse
que me amava, chegou a me dar um beijo no rosto e pediu uma entrevista para
seu programa de TV no interior. Mesmo estando com o táxi de porta aberta me
esperando, achei que seria rude sair andando e negar a entrevista, que de
alguma forma poderia ajudar o cara, sei lá, eu sou da época da gentileza, do
muito obrigado e do por favor, acredito no ser humano e ainda sou canceriano
e baiano, ou seja, um babaca total. Ele me perguntou uma ou duas bobagens, e
eu respondi, quando, de repente, apareceu outro apresentador do programa com
a mão melecada de gel, passou na minha cabeça e ficou olhando para a câmera
rindo. Foi tão surreal que no começo eu não acreditei, depois fui percebendo
que estava fazendo parte de um programa de TV, desses que sacaneiam as
pessoas. Na hora eu pensei, como qualquer homem que sofre uma agressão, em
enfiar a porrada no garoto, mas imediatamente entendi que era isso mesmo que
ele queria, e aí bateu uma profunda tristeza com a condição humana, e tudo
que consegui foi suspirar algo tipo "que coisa horrível" (o horror, o
horror), virar as costas e entrar no carro. Mesmo assim fui perseguido por
eles. Não satisfeito, o rapaz abriu a porta do táxi depois que eu entrei, eu
tentei fechar de novo, e ele colocou a perna, uma coisa horrorosa, violenta
mesmo. Tive vontade de dizer: cara, cê tá louco, me respeita, eu sou um pai
de família! Mas fiquei quieto, tipo assalto, em que reagir é pior.

" O que vai na cabeça de um sujeito que tem como profissão jogar
meleca nos outros? É a espetacularização da babaquice "

O táxi foi embora. No caminho, eu pensava no fundo do poço em que
chegamos. Meu Deus, será que alguém realmente acha que jogar meleca nos
outros é engraçado? Qual será o próximo passo? Tacar cocô nas pessoas?
Atingir os incautos com pedaços de pau para o deleite sorridente do
telespectador? Compartilho minha indignação porque sei que ela diz respeito
a muitos; pessoas públicas ou anônimas, que não compactuam com esse circo de
horrores que faz, por exemplo, com que uma emissora de TV passe o dia
INTEIRO mostrando imagens da menina Isabella. Estamos nos bestializando, nos
idiotizando. O que vai na cabeça de um sujeito que tem como profissão jogar
meleca nos outros? É a espetacularização da babaquice. Amigos, a
mediocridade é amiga da barbárie! E a coisa tá feia.

" Isso naturalmente não o impediu de colocar a cagada no ar. Afinal de
contas, vai dar mais audiência "

Digo isso com a consciência de quem nunca jogou o jogo bobo da
celebridade. Não sou celebridade de nada, sou ator. Entendo que apareço na
TV das pessoas e gosto quando alguém vem dizer que curte meu trabalho, assim
como deve gostar o jornalista, o médico ou o carpinteiro que ouve um elogio.
Gosto de ser conhecido pelo que faço, mas não suporto falta de educação. O
preço da fama? Não engulo essa. Tive pai e mãe. Tinham pais esses paparazzi
que mataram a princesa Diana? É jornalismo isso? Aliás, dá para ter respeito
por um sujeito que fica escondido atrás de uma árvore para fotografar uma
criança no parquinho? Dois deles perseguiram uma amiga atriz, grávida de
oito meses, por dois quarteirões. Ela passou mal, e os caras continuaram
fotografando. Perseguir uma grávida? Ah, mas tá reclamando de quê? Não é
famoso? Então agüenta! O que que é isso, gente? Du Moscovis e Lázaro (Ramos)
também já escreveram sobre o assunto, e eu acho que tem, sim, que haver
alguma reação por parte dos que não estão a fim de alimentar essa palhaçada.
Existe, sim, gente inteligente que não dá a mínima para as fofocas das
revistas e as baixarias dos programas de TV. Existe, sim, gente que tem
outros valores, como meus amigos do MHuD (Movimento Humanos Direitos), que
estão preocupados é em combater o trabalho escravo, a prostituição infantil,
a violência agrária, os grandes latifúndios, o aquecimento global e a
corrupção. Fazer algo de útil com essa vida efêmera, sem nunca abrir mão do
bom humor. Há, sim, gente que pensa diferente. E exigimos, no mínimo, não
sermos melecados.

No dia seguinte, o rapaz do programa mandou um e-mail para o
escritório que me agencia se desculpando por, segundo suas palavras, a
"cagada" que havia feito. Isso naturalmente não o impediu de colocar a
cagada no ar. Afinal de contas, vai dar mais audiência. E contra a audiência
não há argumentos. Será?"

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